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  1. A Amnistia Internacional Portugal vê os fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação do Porto como violadores das obrigações internacionais a que Portugal está vinculado.

    É com profunda preocupação que a Amnistia Internacional Portugal vê os fundamentos utilizados pelo Tribunal da Relação do Porto para negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público no caso em que dois arguidos foram condenados a penas suspensas pelos crimes de violência doméstica, detenção de arma proibida, perturbação da vida privada, injúrias, ofensa à integridade física simples, e sequestro.

    O Ministério Público interpôs recurso da decisão com base em errónea valoração da prova, entendendo que a gravidade dos atos cometidos e a premeditação dos mesmos seriam fundamento bastante para a aplicação de penas de prisão efetiva mais gravosas. O Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso citando passagens da Bíblia e o Código Penal Português de 1886, usando igualmente a honra do ofendido como atenuante do crime praticado. A citação de documentação histórica e religiosa sem ter em conta o devido contexto e enquadramento histórico e religioso entende-se como abusiva.

    A Amnistia Internacional Portugal expressa a sua preocupação não só pela atuação dos juízes desembargadores ao arrepio dos preceitos legais e constitucionais, mas pelo espelhar de uma cultura e justiça promotora de misoginia, sem ter em conta os direitos das mulheres, e como recurso à compreensão da violência para vingar a honra e a “dignidade do homem”.

    Cumpre lembrar que Portugal está vinculado não só aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais é parte, mas também se encontra vinculado, desde 1 de agosto de 2014, às obrigações previstas na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, comummente conhecida como Convenção de Istambul.

    Em particular, Portugal está obrigado a “assegurar que, nos processos penais iniciados no seguimento do cometimento de quaisquer atos de violência cobertos pelo âmbito de aplicação da presente Convenção, a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa “honra” não sejam considerados como justificação para tais atos. Isto cobre, em particular, as alegações segundo as quais a vítima teria transgredido normas ou costumes culturais, religiosos, sociais ou tradicionais relativos a um comportamento apropriado” (artigo 42.º, n.º 1 da Convenção de Istambul).

    As considerações do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente as considerações de que “a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente” e que “o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem” são considerações emanadas dum órgão de soberania violadoras das obrigações internacionais a que Portugal está vinculado. Usar como atenuante de um crime de violência doméstica “a deslealdade e imoralidade sexual da assistente”, pela assunção de que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente” vai contra preceitos básicos de respeito pela dignidade humana e pelo Estado de direito, uma vez que se afasta da aplicação da lei para decidir com base em pretensas regras de moral societária.

    O artigo 203º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da sujeição dos tribunais à lei no exercício da sua competência para administrar a justiça em nome do povo. Por “lei” entende-se “todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes” (artigo 1º, nº 2 do Código Civil). Acresce que apenas têm valor de lei os diplomas em vigor ao tempo da sua aplicação e não os diplomas legislativos que estejam revogados. O Código Penal Português de 1886, citado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, foi revogado pelo Código Penal de 1982, revisto pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de março. Assim, o Código Penal de 1886, citado no acórdão, não é fonte de direito português, não podendo ser utilizado pelos tribunais.

    A Amnistia Internacional Portugal considera, ainda, preocupante a citação do Antigo Testamento da Bíblia na fundamentação da decisão de negar provimento ao recurso por manifesta violação do princípio da separação entre igrejas e Estado, consagrado no artigo 41.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. A utilização de textos religiosos, neste caso ainda, descontextualizados e para outros fins e interesses particulares é abusiva à religião citada, face a quem a professa. A Amnistia Internacional Portugal defende a ausência de considerações de caráter religioso como fundamentação jurídica em nome do respeito do princípio da laicidade e em nome da igualdade e do respeito por todas as religiões.

    A justiça tem a obrigação de proteger cidadãos e cidadãs, de igual forma, sem discriminação de género e, mais, garantir que não há perpetuação de crimes, nem isenção de responsabilidade por parte de quem comete violência doméstica, independentemente das relações familiares.

    A Amnistia Internacional Portugal insta assim aos órgãos competentes que, em respeito da lei e da Constituição, façam cumprir as obrigações internacionais a que Portugal está adstrito.

  2. Extratos do acórdão da VERGONHA

    segunda-feira, 23 de outubro de 2017

     “…condenar o arguido X como autor material, e na forma consumada, de um crime de violência doméstica…” e “…pela prática de um crime de detenção de arma proibida…”

    “…condenar  o  arguido Y como  cúmplice,  e  na  forma  consumada,  de  um  crime de violência doméstica…”; “…pela prática de um crime de perturbação da vida privada…”; “…pela prática de um crime de injúrias…”; “… pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples…” e “…pela prática de um crime de sequestro…”

    Este caso está longe de ter a gravidade com que, geralmente, se apresentam os casos de maus tratos no quadro da violência doméstica.
    Por outro lado, a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente.
    Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem.
    Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte.
    Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.
    Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.0) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse.
    Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.
    Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o acto de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida.

    O acórdão pode ser lido na íntegra aqui

  3. Portugal no fundo da tabela da igualdade de género

    quarta-feira, 11 de outubro de 2017

    Portugal está no fundo da tabela no ranking dos países da Europa a 28 sobre igualdade de género, tendo subido uma posição e estando agora em 21.º, à frente da República Checa, Grécia, Croácia, Chipre, Luxemburgo, Roménia e Eslováquia.
    O ranking é elaborado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE, na sigla em inglês), segundo o qual a União Europeia a 28 está a conseguir fazer progressos em matéria de igualdade de género, ainda que de forma lenta.

    Os dados do EIGE (aqui), relativos a 2015, mostram que a média europeia está agora nos 66,2 pontos em 100, quatro pontos acima do valor de há dez anos, com a Suécia em primeiro lugar, com 82,6 pontos, e a Grécia no fim, com 50 pontos.
    (...)
    É mesmo na saúde que Portugal obtém a classificação mais elevada, 83,6 pontos em 100, sendo que nesta área o EIGE alerta para o facto de as desigualdades de género serem um desafio crescente para as sociedades envelhecidas.
    Apesar da pontuação tão alta, Portugal é incluído no grupo de três países, com a Lituânia e a Letónia, com as piores situações, com o EIGE a referir que a saúde é um indicador da situação económica e de educação de um país, já que “baixos níveis de educação significam uma saúde mais pobre, especialmente entre as mulheres”.
    Em matéria de trabalho, onde Portugal consegue 72 pontos, o EIGE aponta que tem havido um progresso muito lento nos últimos dez anos na União Europeia, com as pontuações mais elevadas na Suécia, Dinamarca e Holanda e as mais baixas na Grécia, Itália e Eslováquia.
    Já em matéria de dinheiro, Portugal consegue uma avaliação de 70,9 pontos, e é incluído no grupo de sete países com progressos marginais, abaixo dos três pontos, enquanto a maioria dos estados membros melhorou nesta área desde 2005, “trazendo as mulheres e os homens para igual acesso à independência económica”.
    Sobre a questão monetária, o EIGE aponta que as desigualdades ao longo da vida levam a maiores fossos de género nas idades mais avançadas, e que as mulheres enfrentam um maior risco de pobreza em idosas do que os homens, com 18% das mulheres e 12% dos homens com mais de 75 anos em risco de pobreza monetária.

    Onde Portugal tem a classificação mais baixa é em matéria de poder, com 33,9 pontos, mas onde é referido como tendo conseguido subir mais de 10 pontos graças a ter melhorado o equilíbrio entre géneros nas tomadas de decisão.
    O EIGE atribui grande parte do sucesso à introdução de quotas, apontando Portugal como um dos nove países com legislação específica e como um dos países onde houve mais progressos graças ao facto de a legislação de quotas estar a ser aplicada há mais tempo.
    No que diz respeito à educação, a classificação de Portugal chega aos 54,8 pontos, com o país a ser incluído no grupo de cinco onde a situação melhorou mais de 10 pontos no nível educativo e participação.
    Por último, no que diz respeito ao uso do tempo, onde Portugal obtém 47,5 pontos, o país é apontado como um dos nove que em 2015 atingiram a meta de providenciar creche a 33% de crianças com menos de três anos.
    Por outro lado, os homens portugueses são dos que menos usam do seu tempo nas tarefas domésticas, o que faz com que em Portugal haja um fosso de género de 60%.